O Agente Secreto | Crítica sem Spoilers

Kleber Mendonça Filho está de volta, e O Agente Secreto confirma o que muitos já sabiam, poucos cineastas entendem tão bem o Brasil, o nordeste quanto ele. O filme é forte, político e cheio de camadas, daquelas que ficam ecoando na cabeça muito depois de os créditos subirem.

Ambientado no Recife dos anos 70, em plena ditadura militar, o longa mergulha nas sombras da vigilância, da lealdade e da culpa. São duas horas e meia que passam rápido, mas não sem deixar marcas. Kleber conduz o tempo com calma, faz o espectador sentir o peso do silêncio, a respiração dos corredores e o medo nas entrelinhas. Não é um filme fácil, principalmente o final, e talvez por isso ele seja tão polarizado.

As músicas da época dão um charme especial. As emissões de rádio antigo, as vozes abafadas, o clima meio sombrio, tudo cria uma sensação de época sem precisar dizer o ano. E nas entrelinhas, Mendonça homenageia o cinema que moldou gerações, há ecos sutis de A Profecia e Tubarão, não como homenagem direta, mas como parte do imaginário daquele tempo, quando o medo era tanto político quanto fictício.

Pra quem é do Nordeste, o filme bate diferente. Eu que vos escrevo, e entendo cada gíria, cada pausa. Sei como o carnaval realmente param as cidades e até os órgãos públicos. Trabalhei dez anos no Instituto de Identificação de Alagoas, e quando vi a cena de alguns locais como a sala do arquivo, reconheci na hora, 40 anos depois trabalhei no mesmo ambiente e ainda no mesmo cenário. Esse tipo de detalhe não se inventa, só quem viveu sabe detalhar assim.

Wagner Moura entrega uma das melhores atuações da carreira. É contido, mas intenso. Cada olhar carrega o peso de uma década. O elenco de apoio traz rostos conhecidos e outros completamente novos, alguns estreando no cinema, e essa mistura dá uma verdade rara ao filme. A naturalidade das falas, os sotaques, os gestos, nada soa ensaiado. Algumas coisas podem soar amadoras, porque são.

Assistir a um filme desses em Recife tem um gosto diferente. Dá orgulho ver a cidade como cenário, não de cartão-postal, mas como corpo vivo da narrativa. A fotografia quente, o som urbano, a maneira como o tempo corre devagar, tudo isso transforma o a cidade em personagem.

Lá fora, O Agente Secreto já foi celebrado em Cannes, com prêmios para Wagner Moura e Kleber Mendonça. Mas aqui no Brasil, ainda parece passar despercebido. Talvez por tocar em feridas políticas ainda abertas, talvez por ser um filme que exige calma e atenção, duas coisas raras hoje. Mas uma coisa tem que ser dita, o Brasil nunca teve um filme tão eclético, que mistura espionagem de filmes norte-americanos, com diálogos de uma vizinha ou um familiar, onde Mendonça e o elenco brilham.

Mas a verdade é que O Agente Secreto é daqueles filmes que não terminam quando a luz acende. Ele fica.

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