Pecadores | Crítica sem Spoilers
- Bruno Almeida
- 18 de abr.
- 3 min de leitura

Existem filmes que assustam, outros que incomodam. E tem aqueles que são um soco no estômago. Pecadores é esse tipo de obra. A nova investida de Ryan Coogler, chega com força, unindo terror sobrenatural, drama histórico e uma trilha sonora que parece chamar o próprio diabo para dançar. Aqui, o Mississippi dos anos 1930 não é apenas um cenário: é um personagem, é uma cicatriz aberta, a encruzilhada entre fé, medo e sobrevivência.

Na década de 1930, os irmãos gêmeos Stack e Smoke retornam ao sul profundo dos Estados Unidos após anos vivendo em Chicago, onde trabalharam como estivadores e músicos de bar. Ex-combatentes da Primeira Guerra Mundial, eles carregam cicatrizes invisíveis, traumas silenciosos e uma vontade quase desesperada de recomeçar. De volta ao vilarejo onde nasceram, às margens do Delta do Mississippi, decidem abrir um clube de blues, buscando transformar dor em arte e dar um novo rumo à própria história. Mas o que encontram não é apenas uma cidade parada no tempo, e sim uma terra assombrada, por fantasmas do passado e por forças mais antigas que qualquer guerra. Enquanto tentam reconstruir a vida, os irmãos se veem cercados por tensões raciais, ameaças invisíveis e memórias que insistem em assombra-los. O blues ecoa como oração e maldição, enquanto presenças sombrias começam a surgir à medida que a música deles toca velhas feridas, tanto humanas quanto espirituais.

O elemento sobrenatural não é jogado, Coogler transforma monstros em uma metáfora explícita do racismo institucionalizado, mostrando como o sistema suga vidas negras há séculos. É uma escolha ousada porém necessária.
Se há um lugar onde o horror da história norte-americana, a música da resistência e o sobrenatural se entrelaçam num lamento de dor e ódio, esse lugar é o coração do sul dos Estados Unidos. Pecadores, não apenas mergulha nesse cenário, ele o expõe, o incendeia e o transforma em uma história sombria sobre os EUA que muitos até hoje fingem não ver.
Mas o que realmente eleva Pecadores é o modo como o filme lida com suas analogias. O blues e a segregação não são apenas pano de fundo, são personagens. O som é presença constante, embalando cada cena de tensão, cada perseguição noturna, cada sussurro de resistência. A trilha sonora, composta por Rhiannon Giddens e Gary Clark Jr., é uma declaração de guerra em forma de lamento. E se a música embala as feridas, o terror as desmascara. Pecadores é brutal quando precisa ser, mas sem nunca ser gratuito.

A colisão entre mundos, o espiritual, natural e o histórico, acontece de forma tão orgânica que por vezes esquecemos que estamos vendo uma obra de ficção. Tudo parece possível, porque tudo é real. O horror de ontem continua, apenas mudou de forma.
Coogler não faz concessões. Sua câmera é crua, tensa. Os planos longos, a ausência de cortes fáceis, a forma como ele encara os rostos dos personagens sem pressa, tudo é pensado para nos fazer uma testemunha. E quando o horror se revela por completo, não há grandes reviravoltas, não há catarse. O terror aqui é memória, é estrutura, é um sistema. Os pactos não são com o sobrenatural, são com a história. Com aquilo que o sul dos EUA enterrou, mas que precisa voltar.

Michael B. Jordan como sempre tem uma performance magistral. Stack e Smoke não são apenas opostos, são feridas que sangram de forma diferente. A performance são opostas mas contidas, mas carregadas de raiva e revolta. Destaque para Delroy Lindo e Omar Benson Miller figyras figuras já bastante conhecidas. Hailee Steinfeld que despontou em Bravura indômita, aqui tem uma das melhores atuações de sua carreira.

Pecadores não é só uma experiência, É um história sobre irmandade, família e comunidade. Mas também é sobre corpos marcados, memórias silenciadas, promessas quebradas. É um filme que entende que o verdadeiro horror sem precisar de sustos. o Horror já está ali, e da pior forma, a forma mais real e dolorosa possível.

Pecadores pode até se apresentar como um filme de terror, mas, no fim, é um drama que escancara o que muitos preferem silenciar: os verdadeiros monstros não vivem nas sombras, e sim na história que se repete quando fingimos que ela acabou.


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